RPS Caso do Mês |
May 2022
Dr. Elena-Bianca Barbir
Dr. Susanna A. McRae
UBC Division of Nephrology
UBC Division of Pathology and Laboratory Medicine
Vancouver, BC, Canada
Caso clínico:
Um homem de 74 anos com DRC estadio 2-3A, estável e sem albuminúria de 2011 a setembro de 2020 evoluiu com redução de sua taxa de filtração glomerular (eGFR) de 55-60 ml/min para 35-40 ml/min (creatinina 1.6 – 1.8 mg/dL). Até então, sua DRC era atribuída a nefrosclerose devido a suas comorbidades metabólicas (diabetes, hipertensão, dislipidemia e doença arterial coronária). Um perfil de glomerulopatias foi solicitado para investigar a queda de filtração glomerular. Os achados mais relevantes foram um pico monoclonal IgG Kappa no sangue periférico (7.9 g/L) com uma relação Kappa/Lambda de 10.69 e uma eletroforese urinaria com cadeia leve Kappa (1.02 g/L). A relação albumina/creatinina urinaria era 25-30 mg/mmol proteína/creatinina urinaria 100-200g/mol. O exame de urina mostrou sedimento urinário inocente e glicosuria (embora o paciente estivesse normoglicêmico) e o acido úrico sérico estava baixo (3.2 mg/dL). A combinação de glicosuria com hiperuricemia no contexto de DRC 3B foi sugestiva de síndrome de Fanconi parcial.
Após consulta com hematologista, uma biopsia de medula óssea foi realizada e revelou 7% de plasmócitos. Citometria de fluxo demonstrou um clone com restrição de cadeia leve Kappa. Uma vez que ele não preencheu critérios para neoplasia plasmocitária, uma biopsia renal foi realizada no contexto de suspeita clínica de gamopatia monoclonal de significado renal.
Biopsia Renal:
Figura 1: Microscopia óptica. Cristais romboides PAS negativo nos túbulos proximais com cristais menores e morfologicamente distintos nas células epiteliais e no lúmen tubular. (PAS x200; amplificação x400).
Figura 2: Microscopia óptica. Cristais eosinofílicos intracitoplasmáticos e intraluminais no interior dos túbulos proximais, com cristais romboides ao redor dos grânulos. (H&E x200; amplificação x400).
Figura 3: Microscopia óptica. Cristais intracitoplasmáticos fucsina positivo nos túbulos proximais ao lado de um glomérulo morfologicamente normal. (Tricromo de Masson x400).
Figura 4: IF na parafina pós-pronase (IF-P) mostrando ausência de Lambda nas células do túbulo proximal (A). Kappa, em contrapartida, foi positivo 1-2+ na superfície de reabsorção e intracitoplasmáticos (B). A IF convencional foi negativa para ambos Kappa e Lambda.
Figura 5: Microscopia eletrônica (x 4000) demonstrando múltiplos cristais eletrodensos com morfologia romboide nas células do túbulo proximal.
Figura 6: Microscopia eletrônica (x 12000) demonstrando múltiplos cristais eletrodensos nas células do túbulo proximal com cristais romboides, retangulares e em forma de agulha nas inclusões intramembranosas e livres no citoplasma. As estriações horizontais permeadas por cristais sugerem a presença de depósitos cristaloides.
Figura 7: Microscopia eletrônica (x 15000) demonstrando depósitos eletrodensos romboides no citoplasma podocitário.
Diagnóstico final: Tubulopatia proximal com cristais de cadeia leve (TPCL), Kappa restritos.
Discussão:
A biopsia renal confirmou a suspeita clínica de uma gamopatia monoclonal de significado renal, com o diagnóstico da tubulopatia proximal de cadeia leve (TPCL). TPCL é o resultado da absorção maciça de cadeia leve clonal no túbulo proximal. A TPCL pode se manifestar na forma cristalina ou não-cristalina. Na forma cristalina, cristais de cadeia leve são vistos nas células do túbulo proximal como agregados no citoplasmáticos ou lisossomais.1 A variante cristalina da TPCL está relacionada com a deposição de cadeia leve Kappa1, como no presente caso. A associação entre paraproteínas de cadeia leve Kappa e TPCL é atribuída às propriedades físico-químicas do subgrupo de cadeia leve Kappa, usualmente pertencendo ao subgrupo V Kappa 1 (e raramente V Kappa 3). Estes subgrupos resistem à proteólise, resultando na cristalização no túbulo proximal, o local fisiológico de reabsorção dessas proteínas.2,3,4
A produção excessiva de cadeia leve Kappa é uma condição necessária para a formação de TPCL, uma vez que apenas as cadeias leves isoladas são filtradas no glomérulo.5 Uma das manifestações iniciais é proteinúria tubular por hiperfluxo, uma vez que a capacidade de reabsorção do túbulo proximal é excedida.3 As cadeias leves monoclonais levam à apoptose das células tubulares proximais através da geração de radicais livres de oxigênio, contribuindo assim para a formação de um microambiente inflamatório que facilita a ocorrência de fibrose intersticial.5
O diagnóstico histopatológico envolve achados da microscopia óptica, imunofluorescência e microscopia eletrônica. Na microscopia óptica, cristais de inclusão ocorrem nas células tubulares proximais e intraluminal. Os cristais são mais aparentes no PAS e tricromo de Masson (figuras 1 e 3).6 A IF convencional possui baixa sensibilidade, uma vez que extração antigênica é necessária para obter a o efeito Kappa-restrito. A IF na parafina pós pronase (IF-P) pode resultar na exposição dos epítopos antigênicos da proteína Kappa. A digestão por pronase expõe os cristais intralisossomais e os epítopos internalizados nos demais cristais. Stokes et al. demonstrou uma sensibilidade de 97% desta técnica (versus 35% para a IF convencional),3 e Nasr et al. recentemente incluiu TPCL na lista das indicações de IF-P.7 Como o método não é 100% sensível, ainda há relatos de TPCL com IF-P negativa.3,8 Na microscopia eletrônica, as células tubulares epiteliais proximais contém inclusões citoplasmáticas eletrodensas (em formato de bastão, romboide, agulha ou irregular). Injúria tubular concomitante é evidente a ME.6 O presente caso contém todos os achados histopatológicos típicos da TPCL, além de cristais de inclusão no citoplasma podocitários. Este achado já foi previamente relatado3 e não é inesperado visto que podócitos também são células epiteliais.
TPCL é uma das raras manifestações da gamopatia monoclonal de significado renal. Em 2016, Stokes et al relatou uma serie de casos da Columbia University, demonstrando TPCL em 54 de 1078 biopsias renais realizadas em pacientes com paraproteinemia documentada. 46 deles apresentaram TPCL isoladamente, e os 8 restantes apresentavam outros achados (4 deles apresentavam nefropatia dos cilindros, 2 deles amiloide, 1 paciente com doença de depósito de cadeia leve e 1 paciente com glomerulonefrite colapsante.3
Como TPCL é uma manifestação rara da gamopatia monoclonal de significado renal e sua real incidência é desconhecida, até o momento não existem terapias baseadas em estudos randomizados. Na série de casos de Stokes et al, os pacientes foram tratados com terapia direcionada para o clone plasmocitário e, em alguns casos, transplante de células tronco hematopoiéticas. Esta abordagem está de acordo com as recomendações do “International Kidney and Monoclonal Gammopathy Research Group”. Nesta coorte, os principais preditores de desfecho renal foram idade e eGFR no momento do diagnóstico, ressaltando a importância do diagnóstico precoce. Entretanto, esta entidade frequentemente apresenta um curso indolente (5 dos 7 pacientes que não receberam terapia alguma não progrediram disfunção renal, e os outros 2 evoluíram com doença renal crônica. No grupo “quimioterapia + transplante de células tronco” nenhum dos 10 pacientes evoluíram com progressão de disfunção renal. No grupo “quimioterapia”, 4 de 12 pacientes progrediram para doença renal em estadio final. Nesses casos, o clone plasmocitário não foi completamente eliminado e a progressão da doença renal pode ser interpretado como marcador de terapia subótima.3 Finalmente, vale ressaltar que a recorrência de TPCL tem sido reportada em enxertos renais na presença de uma paraproteinemia persistente.9,10,11
Bibliografia:
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