RPS Caso do Mês |
Julho 2022
Dr. Shannon N. Wong
Dr. Susanna A. McRae
UBC Division of Nephrology
UBC Division of Pathology and Laboratory Medicine
Vancouver, BC, Canada
Caso clínico
Um homem de 75 anos com hipertensão arterial sistêmica, glicemia de jejum alterada e apneia obstrutiva do sono evolui com um mês de dispneia e fraqueza. Ele havia sido tratado para pneumonia comunitária recentemente. Como seu padrão de fraqueza era suspeito para polimialgia reumática, prednisona foi iniciada empiricamente. No momento da sua alta hospitalar, sua creatinina estava estável em 197umol/L (2.23 mg/dL).
Um mês após, ambulatorialmente, sua creatinina seguiu elevando-se e atingiu um pico de 391umol/L (4.42 mg/dL), associado a uma proteinúria de 24h de 3.3g/dia, edema e ganho de peso, sem relato de hemoptise ou epistaxe. Um perfil serológico para glomerulopatias foi realizado, e seu anticorpo anti-membrana basal glomerular (MBG) foi positivo (226 U/mL). Ele foi hospitalizado para iniciar plasmaférese e uma biopsia renal foi realizada.
Achados da biopsia renal:
Figura 1. 54% dos glomérulos apresentaram crescentes celulares ou fibrocelulares com variável grau de necrose. (A): crescente celular (flecha vermelha). (B) hipercelularidade mesangial segmentar (flechs preta). Compartimento túbulo-intersticial com necrose tubular aguda e inflamação focal. (PAS x200).
Figura 2. Crescente celular com necrose focal (flecha preta) e ruptura focal da membrana basal glomerular (flecha vermelha). Não há evidência de “spikes”. (Jones x200).(Jones x200)
Figura 3. Imunofluorescência (IF) com depósitos de lineares e granulares de IgG ao em alça capilar. IF para os subtipos de IgG mostrou depósitos predominantes de IgG1. IF para PLA2R resultou negativa (IF).
Figura 4. Microscopia eletrônica mostrando depósitos subepiteliais esparsos com discreta reação da membrana basal (estágio I/IV) e apagamento segmentar dos processos podocitários.
Diagnóstico final
Discussão
A doença anti-membrana basal glomerular (anti-MBG) se manifesta clinicamente como uma glomerulonefrite rapidamente progressiva. Diagnóstico e intervenção precoces são críticos para reduzir mortalidade e garantir um desfecho renal adequado, já que estes parâmetros estão diretamente relacionados com a disfunção renal no momento do diagnóstico1. A patogênese desta doença é atribuída à formação de anticorpos contra o domínio não colagenoso 1 (NC1) da cadeia alfa-3 do colágeno tipo IV. Estes anticorpos resultam em uma glomerulonefrite crescêntica necrotizante, caracterizada pelo depósito linear de IgG ao longo da membrana basal glomerular. O depósito deste mesmo anticorpo nas cadeias alfa-3 do colágeno tipo IV dos pulmões podem resultar em hemorragia alveolar 2-3.
A nefropatia membranosa (NM) é caracterizada pelo depósito granular de IgG em alças capilares na IF e depósitos subepiteliais na microscopia eletrônica (ver tabela suplementar para classificação da NM). Como consequência, há um apagamento dos processos podocitários, clinicamente manifestado como proteinúria nefrótica3-4. Aproximadamente 80% dos casos de NM são primárias, e acredita-se que seja o resultado de autoanticorpos circulantes contra algum antígeno de superfície podocitária. Os antígenos mais frequentemente identificados nesse contexto são o receptor tipo M da fosfolipase A2 (PLA2R, 70-80% dos casos), e trombospondina tipo 1 com domínio contendo proteína 7A (THSD7A, 2-5% dos casos).
Em contrapartida, 20% dos casos de NM são secundárias, e a patogênese está ligada ao depósito de imunocomplexos formados por anticorpos contra um antígeno exógeno ou um neo-epítopo, o qual pode ser gerado no contexto de um câncer, doença auto-imune, infecção ou exposição a nefrotoxinas5. A biopsia renal pode ser útil na distinção entre casos primários e secundários, usualmente com auxílio de IF para subclasses de IgG e PLA2R6. Entretanto, uma avaliação cuidadosa para causas de NM secundária é recomendado em todos os casos5.
A coexistência de doença anti-MBG e NM é infrequente3 e a patogênese dessa associação não é clara. Em tese, o desarranjo da morfologia glomerular por uma doença expõe epítopos que resultam na produção de autoanticorpos que resultam na segunda doença2,7. A apresentação concomitante destas entidades tem sido descrita desde 1976, quando foram reportados casos de disfunção renal severa e aguda em pacientes com antecedente de proteinúria. As biopsias renais destes casos mostraram uma superposição de glomerulonefrite crescêntica em glomérulos com depósitos subepiteliais, além da detecção de anti-MBG sérico8. Duas séries de casos reportaram essa associação, e percebeu-se que tais pacientes apresentaram níveis mais baixos de creatinina sérica, menor incidência de oligo-anúria/hematúria, além de níveis mais altos de proteinúria quando comparados aos casos de anti-MBG isolados. Embora a amostra tenha sido pequena, também foi sugerido que tais pacientes apresentaram menor chance de permanecer em diálise no follow-up2-3.
No presente caso, o paciente foi tratado por duas semanas com plasmaférese, até que seus níveis de anti-MBG se tornassem indetectáveis. O paciente não necessitou de diálise e o tratamento imunossupressor foi realizado com três meses de ciclofosfamida oral e seis meses de prednisona oral. Uma extensa investigação para causas de NM secundária resultou negativa. Uma segunda biopsia renal foi realizada para avaliar proteinúria persistente após quatro meses de tratamento, o que revelou progressão para estágio II/IV da nefropatia membranosa com intensificação do apagamento dos processos podocitários. Na IF, houve persistência de depósitos granulares IgG (IgG1 dominante), PLA2R persistiu negativo, e não houve evidência de atividade residual de doença anti-MBG. 10% dos glomérulos apresentavam por crescentes fibrocelulares sem necrose e outros 10% esclerose segmentar e adesão capsular. A função renal estabilizou (eGFR 18ml/min) e o paciente segue em manejo clínico para doença renal crônica estádio IV com proteinúria.
Tabela suplementar:
|
Estágio I |
Estágio II |
Estágio III |
Estágio IV |
Achados histológico (ME) |
Depósitos eletrodensos esparsos sem alteração da MBG |
Depósitos subeptieliais mais extensos com formação de “spikes” entre os depósitos, com espessamento da MBG |
Estágio II + depósitos intramembranosos (MBG “envelopa os depósitos) |
Espessamento irregular da MBG com depósitos eletrolucentes incorporados |
Referências:
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